Como havia
combinado, segue mais um texto de reflexão sobre o Natal e a esperança que
renasce nessa época do ano muito mais forte que nos demais meses.
Era a semana antes do Natal. O primeiro a perceber
foi um dos duendes do setor de pesquisa. Ele saiu da sala, carregando um
notebook, um monte de papel impresso e gritando:
– Reunião!!! Todo mundo para a sala de reunião!!!!
Não era fora do comum àquela confusão na fábrica do
Papai Noel, ainda mais na reta final. Por onde se olhasse, duendes carregavam
materiais, brinquedos que não passavam no teste de qualidade, cartas que chegaram
atrasadas, ração extra para as renas, e outras urgências para o grande dia.
Mas essa correria era diferente. O duende da
pesquisa sentou na sala de reunião, ligou o notebook no projetor e já estava
deitando números antes mesmo dos duendes responsáveis por outras áreas
chegarem. O duende do setor administrativo acalmou o pesquisador:
– Calma, deixa todo mundo chegar.
Aí, entraram pela porta da sala de reuniões os
duendes da contabilidade, do marketing, do RH, do financeiro, do comercial, do
atendimento, da produção foram se colocando ao longo da mesa de reunião. Claro que a ausência do Papai Noel, o presidente em pessoa, foi sentida. Mas o
pesquisador já tratou de dizer:
– Eu avisei o Papai Noel, mandei e-mail, mas ele
falou que não era para se preocupar!! Como?!?!? É terrível! É calamitoso!!! É
desastroso!!! É catastrófico!!!
– Chega, controle-se!!! o duende do marketing mandou um olhar severo para o desesperado
empregado o que pode ser tão ruim?
– O ICPN caiu para menos de 50%!!!
Nem bem o duende terminou a frase, os demais
entraram em polvorosa. Veja bem, o ICPN é o Índice de Crença no Papai Noel, o
indicador que determina quantas pessoas no mundo ainda acreditam no bom
velhinho e que faz a fábrica de brinquedos continuar em funcionamento. Claro, já
houve períodos de baixa, mas nunca para menos da metade das pessoas do mundo.
Isso sim era preocupante.
O duende do administrativo tentou colocar a reunião
no rumo e começou a estabelecer uma pauta:
– Mas como isso aconteceu? Como pudermos deixar isso
passar?
– As crianças estão crescendo muito rápida. É a
internet. interferiu o duende do atendimento Vocês sabiam que existem 20 comunidades eu odeio o Papai Noel no Orkut? Antigamente era bom
até podia ter uma criança ou outra que não acreditasse, mas
era mais difícil espalhar para as outras.. hoje elas entram no MSN e ficam se
falando, direto!!!
– Mas e esses pais que trabalham fora de casa quase
o dia inteiro? interveio o responsável pelo RH Eles trabalham,
ficam loucos para ter sucesso nos escritórios e esquecem-se do Natal. Pior,
fazem os filhos esquecerem também!!!
– Eu falei para vocês ano passado: a gente tinha que
investir na imagem do Papai Noel, fazer a cara dele aparecer na mídia não só no
Natal. colocou o gerente de marketing.
– Como se pudéssemos investir muito em promoção!! o duende do financeiro atropelava a criançada hoje em dia só querem eletrônicos!! Playstation, computador vocês sabem quantos pedidos de celulares recebemos este
ano? Isso tudo é caro para produzir, não sobra verba.
– Controle de danos, rapazes interrompeu de novo o administrativo o que podemos fazer para reverter isso nessa semana ainda?
Quero respostas hoje depois do almoço.
Os duendes passaram o resto da manhã rabiscando
alternativas. A queda do ICPN foi o assunto no refeitório durante o almoço.
Todos estavam muito receosos, pois as perspectivas de emprego no Polo Norte não
eram boas se não trabalhassem lá. Mas o Papai Noel não demitiria ninguém,
demitiria? Mas então, por que ele não apareceu para dar satisfações para
esclarecer tudo?
Os diretores até se perguntavam isso, mas não tinham
muito tempo para tanto, estavam preocupados com os planos. Após o almoço, o
diretor administrativo tomou a frente da reunião de vez (até sentou na cadeira
do chefe) e pediu para que os departamentos apresentassem os projetos. O
marketing começou:
– Como todos sabem, uma empresa prospera com a busca
e conquista de novos mercados. Estamos em um mercado consolidado, o atendemos
com excelência, e devemos expandir. Acho que está na hora de partirmos para os
maus meninos.
– O quê!!! Você está louco?!?!!? Pode parar!! as reações variavam, mas eram todas negativas.
– Senhores, os meninos maus são um grande mercado.
Já se foi à época em que ser bonzinho era o objetivo dessa criançada eles
competem desde cedo, para virarem adultos competitivos. Não podemos fingir que
não vemos.
Os duendes recusaram a proposta do marketing. Mais
algumas ideias foram recusadas, por serem igualmente absurdas ou impossíveis. O
marketing, não querendo desistir da glória de resolver o problema, chamou a
agência de publicidade.
O executivo da agência começou:
– Vocês têm um problema de imagem. O trenó, renas,
roupa vermelha larga, barba branca que nem algodão tudo muito legal, serviu bem, mas isso ficou lá atrás, é coisa do passado.
Precisamos de um novo conceito em Papai Noel. Um Papai Noel extremo!!
– Extremo?!! os duendes se entreolharam.
– Sim. Esse novo Papai Noel vai ter atitude. O trenó
dele vai ser substituído por um carro envenenado, de preferência um carro que
vire um robô gigante, sabe? Isso seria ótimo. A roupa precisa mudar também,
talvez umas botas de salto, calças pretas de couro e jaqueta motociclista, com
um Ray-Ban bem transado.
Os duendes estavam meio na dúvida, mas a exposição
da agência era muito boa. O executivo não deu trégua:
– E ele tem que emagrecer. Essa imagem de gordinho
não funciona mais, ele passa a impressão de ocioso, preguiçoso. Como as
crianças vão acreditar que alguém tão grande viaja o mundo inteiro à
meia-noite? O nome vai mudar também; Papai Noel não é nada extremo. Ele vai ser chamado só de
Noel. Um nome só é moderno, tipo Ronaldinho, Giselle, Britney. Isso sim é extremo, atual,
campeão de vendas.
Os duendes pareceram gostar da ideia, talvez pelo
desespero de encontrar uma solução. O duende do marketing soltou aquele
sorrisinho de vitória que fazia os outros pegar bronca dele (e ele já até
imaginava campanhas para meninos maus no ano seguinte). Porém, a secretária do
Papai Noel entrou na sala assim que eles estavam prontos para aprovar a
campanha:
– O Papai Noel mandou todo mundo voltar ao trabalho
e não mexer em nada na programação.
A indignação tomou a sala. Como pode o Papai Noel
ficar quieto? 50% de queda no ICPN!!! Estaria ele ficando senil? Será que
alguma empresa multinacional estava comprando a fábrica do Papai Noel e levando
para o México? Será que Papai Noel estava
falindo?
A semana foi passando, e os duendes mais nervosos
ficavam. O Papai Noel evitava o assunto, não respondia e-mails que falassem da
situação, e o Natal já estava próximo. Os duendes chegaram a fazer reuniões
secretas para tentar resolver algo, mas não achavam justo fazer as coisas pelas
costas do chefe.
Enfim, chegou o dia D: véspera de Natal. O duende da
pesquisa saiu mais uma vez correndo da sala, com todo aquele material de novo.
Os duendes esperavam o pior, já imaginavam que o Papai Noel nem precisaria sair
com o trenó, já que a essa altura não sobraria ninguém que acreditasse. A sala
de reunião dessa vez ficou cheia, e vários duendes ficaram do lado de fora,
ouvindo e repassando o que seria discutido:
– O ICPN!!!!
– O que aconteceu, o que o setor de pesquisa
levantou? Perguntava o administrativo.
– Subiu!!! Está em 100%!!!!
Os duendes ficaram doidos. Pulavam de alegria pelos
corredores, comemoravam, estouravam champanhe, enchiam a cara de doce. Os
porquês e como não importavam, tinham que deixar tudo pronto para a grande
noite.
Mas nem o duende da pesquisa saberia dizer como o
índice voltou para 100%. Ele saiu do trabalho no dia 23 com o índice ainda
baixo e voltou no dia 24 com ele no máximo. Como é da característica de
qualquer profissional de pesquisa (e esse duende era bem metódico), ele não
queria ficar sem uma resposta.
Às 23h30min, quando o Papai Noel se preparava para a
grande viagem, os duendes se reuniram em torno dele e o pesquisador tomou a
palavra:
– Papai Noel, como o senhor sabia que o índice
voltaria para os 100% na última hora? O senhor não deixou a gente fazer nada
para mudar a situação, como o senhor podia ter tanta certeza?
– Meus amigos disse Noel enquanto abotoava o paletó deixe-me contar uma coisa para vocês: por mais difícil que seja o ano, por mais confuso que esteja
o mundo, por mais que as pessoas pareçam se odiar na rua, por mais que os pais
gastem mais tempo em carreiras do que em famílias, durante pelo menos um dia do
ano eles se permitem acreditar no Natal, acreditar em algo melhor, acreditar
que tudo vai ser resolvido no ano seguinte. Um dia é pouco? Pode até ser, mas
enquanto pudermos manter as pessoas acreditando no Natal e no Papai Noel, vamos
trabalhando para que um dia esse sentimento bom, essa alegria de estar com as
pessoas que gosta, esse respeito pelo próximo dure o ano todo.
Depois desse dia, os duendes nunca mais fizeram
reuniões de emergência, nunca mais andaram nervosos pelos corredores, nunca
mais se importaram com o ICPN; só se preocuparam em fazer as pessoas felizes no
dia de Natal. E isso era mais que o bastante.
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